Igualdade de gênero é fundamental na justiça climática; Entenda o porquê
Estudo destaca os principais desafios na integração da perspectiva de gênero nas políticas climáticas, seja em termos de subfinanciamento ou do monitoramento insuficiente de dados
A integração da perspectiva de gênero nas políticas globais é fundamental para enfrentar desafios como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e direitos humanos. Mulheres e minorias de gênero sofrem impactos desproporcionais em crises ambientais devido a desigualdades históricas que limitam seu acesso a recursos, educação e participação política. Essa vulnerabilidade se expressa em diversas áreas: aumento da carga de trabalho em contextos de escassez, riscos de violência em deslocamentos forçados, abandono escolar de meninas e perda de renda em setores frágeis como agricultura e pesca.
Ao mesmo tempo, as mulheres exercem papel central como agentes de resiliência e transformação, liderando práticas de adaptação, conservação ambiental e gestão sustentável. Reconhecer e fortalecer esse protagonismo é essencial para promover justiça social e construir sociedades mais sustentáveis. Esse esforço já aparece em acordos como a Convenção-Quadro da ONU e o Acordo de Paris, mas enfrenta desafios persistentes, como a sub-representação política, a violência estrutural e as lacunas de dados, exigindo ações conjuntas entre governos, sociedade civil e organismos internacionais.
“O reconhecimento de que mulheres e meninas são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas levou à criação de iniciativas para garantir sua participação igualitária e significativa nas políticas climáticas”, nota Thiago Mendes, autor do estudo. “Mas apesar dos avanços, alguns desafios persistem. Mulheres ainda representam menos de 30% das delegações nacionais, muitos países não produzem dados de gênero desagregados e barreiras culturais limitam o acesso feminino a recursos e tomadas de decisão. Esses pontos mostram que, embora haja progresso, é necessário ampliar esforços para tornar a ação climática mais justa, efetiva e inclusiva”, complementa Luciano Schweizer, um dos coautores do estudo.
Clima e gênero no Brasil
No Brasil, a integração entre gênero e clima vem ganhando espaço em políticas públicas, projetos e iniciativas da sociedade civil, embora ainda exista um caminho a percorrer. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, de 2016, incluiu diretrizes para promover equidade de gênero, reconhecendo a maior vulnerabilidade de mulheres rurais, indígenas e quilombolas, além de incentivar sua participação na gestão de recursos hídricos e agricultura resiliente. Já o Plano ABC+, de 2011, apoia a capacitação feminina em técnicas sustentáveis, e a NDC brasileira, atualizada em 2022, mencionou pela primeira vez a igualdade de gênero como princípio transversal, ainda que sem metas específicas.
A sociedade civil tem desempenhado papel relevante nesse campo. O Observatório do Clima e a Rede de Gênero e Clima produzem pesquisas e pressionam por políticas inclusivas, enquanto universidades desenvolvem estudos sobre os impactos diferenciados das mudanças climáticas em mulheres. Um marco nesse esforço foi o relatório “Gênero e Clima no Brasil” (2021), que destacou desigualdades no acesso a recursos e informações.
O tema também aparece na cooperação internacional e no financiamento climático. A Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), em parceria com bancos multilaterais, tem incorporado gênero e clima em suas estratégias, reforçando a importância do tema no sistema nacional de fomento. Além disso, fundos internacionais como o GCF e o Fundo Amazônia apoiam projetos com enfoque de gênero.
Apesar dos avanços, persistem desafios estruturais. Muitas políticas sofrem descontinuidade ou não são implementadas por falta de recursos, e ainda há carência de dados desagregados por gênero para avaliar impactos climáticos. Barreiras como desigualdade no acesso à terra, crédito e participação política limitam o protagonismo feminino. O País avança em discurso e iniciativas pontuais, mas carece de coordenação nacional, monitoramento robusto e apoio institucional para ampliar a liderança de mulheres como agentes centrais de justiça climática.
Um longo caminho à frente
A integração da perspectiva de gênero nas políticas climáticas tem se consolidado como um pilar essencial para promover justiça social e aumentar a eficácia da resposta global à crise do clima. Ainda assim, desafios persistem, sobretudo na implementação prática dessas diretrizes. Falta garantir recursos financeiros adequados, ampliar a capacitação técnica e fortalecer sistemas de monitoramento com dados desagregados por gênero.
Para avançar, é necessário alinhar os marcos normativos internacionais com arranjos institucionais nacionais e com outras agendas globais. Assim, será possível consolidar uma ação climática para unir eficácia mitigatória e adaptativa à promoção da equidade, reafirmando que a igualdade de gênero é não apenas um direito, mas também um requisito indispensável para um futuro mais inclusivo e sustentável.
Marcos da UNFCCC
O Programa de Trabalho de Lima Reforçado sobre Gênero (em inglês, “Enhanced Lima Work Programme on Gender” – ELWPG), de 2014, foi o primeiro marco da UNFCCC a reconhecer a importância de integrar igualdade de gênero nas negociações climáticas. Para operacionalizá-lo, foi criado o Plano de Ação de Gênero (em inglês, “Gender Action Plan” – GAP), que estabeleceu áreas prioritárias como participação feminina nas delegações, capacitação técnica, integração de gênero em projetos e financiamentos, coleta de dados desagregados e ampliação do acesso de mulheres a recursos. Em 2019, na COP25, esse programa foi reforçado com um GAP renovado, com objetivos de ampliar a participação das mulheres, fortalecer políticas sensíveis ao gênero, apoiar treinamentos e monitorar os avanços.
O novo GAP definiu cinco áreas estratégicas: capacitação e compartilhamento de conhecimento; equilíbrio de gênero e liderança feminina; coerência entre políticas climáticas e de gênero; implementação com meios adequados de financiamento e tecnologia; e monitoramento com relatórios desagregados por gênero. Desde então, houve progressos como maior presença de mulheres em órgãos da UNFCCC, maior integração de gênero nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e nos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) e maior atuação de organizações como o Women and Gender Constituency na defesa de políticas inclusivas.
Na COP28, o GAP foi estendido até 2028, incluindo medidas como maior rastreamento de financiamento climático com recorte de gênero e apoio ampliado a iniciativas lideradas por mulheres. Além do âmbito da UNFCCC, países como Canadá, Suécia e Holanda, bem como fundos multilaterais como o Fundo Verde para o Clima, têm adotado políticas e exigências que fortalecem a integração da igualdade de gênero na ação climática global.