Financiamento para 'Perdas e Danos': recursos justos para lidar com os impactos climáticos

Nota técnica detalha a evolução do tema desde a década de 1990 e reforça a necessidade de garantir recursos adequados para países mais vulneráveis à mudança global do clima

26/11/2025

O tema das Perdas e Danos trata dos impactos das mudanças climáticas que não podem ser evitados, mesmo com esforços de mitigação e adaptação. Envolve tanto perdas econômicas – como destruição de infraestrutura e prejuízos agrícolas – quanto perdas não econômicas – como vidas humanas, cultura e biodiversidade. Embora países vulneráveis já alertassem para o problema desde os anos 1990, o assunto só ganhou espaço nas negociações climáticas internacionais a partir de 2007, com o Plano de Ação de Bali, e se fortaleceu em 2012, com o Plano de Doha, que reconheceu a necessidade de respostas específicas e estruturadas para lidar com esses impactos, especialmente nos países mais vulneráveis.

“A partir de Doha, o debate evoluiu para a criação do Mecanismo Internacional de Varsóvia em 2013, que institucionalizou o tema dentro da Convenção do Clima da ONU. Em 2015, o Acordo de Paris, firmado durante a COP21, consolidou as perdas e danos como um dos três pilares da ação climática global, ao lado da mitigação e da adaptação”, resaltou o autor do estudo, José Miguez. “Com isso, ganhou força a necessidade de um mecanismo financeiro específico, voltado a garantir recursos adequados, previsíveis e justos para apoiar países e comunidades afetadas – fortalecendo a solidariedade internacional e a resposta global diante dos efeitos cada vez mais severos das mudanças climáticas”, complementou Luciano Schweizer, coautor do estudo.

Demandas dos países vulneráveis

Os países em desenvolvimento – especialmente os pequenos Estados insulares e os países menos desenvolvidos – vêm cobrando apoio financeiro, técnico e institucional para lidar com as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas. Eles defendem que os países ricos reconheçam sua responsabilidade histórica nas emissões que agravaram o aquecimento global e pedem justiça climática, com recursos adequados, acessíveis e transparentes.

O financiamento é o eixo central dessas reivindicações. Os países vulneráveis pedem a criação de um fundo robusto, previsível e adicional, separado dos recursos já destinados à mitigação e à adaptação, capaz de cobrir os custos crescentes de desastres climáticos. Também defendem que o acesso aos recursos seja rápido, simples e justo, especialmente em situações de emergência, quando a burocracia pode agravar as perdas. 

Do outro lado, os países desenvolvidos reconhecem a importância do tema, mas mantêm uma postura cautelosa nas negociações internacionais. Suas principais preocupações são financeiras, jurídicas e políticas – esses governos buscam evitar compromissos que possam ser interpretados como responsabilidade legal por impactos climáticos e rejeitam qualquer obrigação de compensação financeira. Em vez disso, defendem uma abordagem com base em cooperação técnica, prevenção e gestão de riscos, priorizando o compartilhamento de conhecimento, o fortalecimento de capacidades e o uso de sistemas de alerta precoce.

Perspectiva brasileira

O tema tem grande importância para o Brasil, que já sente os efeitos das mudanças climáticas em várias regiões. O País enfrenta secas, enchentes, deslizamentos, queimadas e aumento do nível do mar, eventos que causam prejuízos econômicos, sociais e ambientais, afetando principalmente populações vulneráveis. Além de sofrer diretamente os impactos, o Brasil tem papel estratégico nas negociações internacionais, podendo atuar como ponte entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na busca por soluções globais mais justas e eficazes.

A diversidade regional e social brasileira torna o desafio ainda maior. Comunidades indígenas, ribeirinhas e agricultores familiares são particularmente expostos aos impactos e têm menos recursos para se adaptar. Em muitos casos, as medidas de adaptação não bastam para evitar as perdas, que incluem biodiversidade, terras produtivas e até modos de vida tradicionais. Diante disso, torna-se essencial o acesso a mecanismos internacionais de financiamento e apoio técnico, que podem ajudar na recuperação de áreas afetadas e na reconstrução de infraestrutura após desastres climáticos.

Ao mesmo tempo, o engajamento do Brasil nesse debate reforça seu papel de liderança climática no Sul Global. O País pode contribuir para o desenho de políticas e mecanismos que garantam apoio efetivo aos mais vulneráveis, dentro e fora de seu território. Internamente, a discussão sobre perdas e danos também impulsiona o fortalecimento de políticas públicas nacionais, como defesa civil, gestão de riscos e proteção social, tornando o País mais preparado e resiliente diante dos desafios climáticos crescentes.

Tema sensível para negociações

O financiamento para perdas e danos é um dos temas mais sensíveis das negociações climáticas, marcado pela resistência dos países desenvolvidos em assumir compromissos financeiros obrigatórios. 

Em 2022, foi criado o Fundo para Perdas e Danos, que deve estar plenamente operacional até a COP30, com gestão compartilhada entre países ricos e em desenvolvimento. O fundo busca garantir acesso rápido, justo e transparente aos recursos, priorizando os mais vulneráveis, e prevê mecanismos de monitoramento e avaliação para assegurar sua eficácia. 

Ainda há debates sobre fontes de financiamento – públicas, privadas ou inovadoras – e sobre critérios de acesso e governança. Apesar dos desafios, o fundo representa um avanço importante na justiça climática internacional, com expectativa de fortalecimento e maior integração às políticas nacionais de enfrentamento à crise climática.

  • Saiba mais sobre o mecanismo de financiamento para perdas e danos, fazendo o download da íntegra do estudo ‘Bases para a consolidação do mecanismo de financiamento para perdas e danos' em português ou inglês