Estudo mapeia lacunas e sugere ações para fortalecer agenda de adaptação no Brasil

Levantamento inédito revisa documentos estratégicos nacionais e internacionais, identifica desafios e  propõe prioridades relacionadas à adaptação à mudança global do clima

Quais os caminhos para reforçar a agenda de adaptação climática no Brasil? Neste estudo, optou-se por, primeiramente, realizar um diagnóstico técnico com base na análise de documentos estratégicos nacionais e internacionais – como os Planos Nacionais de Adaptação e os acordos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change, UNFCCC) – e em iniciativas de financiamento climático. A partir dessa revisão, foram identificadas lacunas e prioridades que devem orientar políticas e ações mais eficazes para enfrentar os impactos da mudança global do clima no País.

“A adaptação climática ocupa um papel central nas negociações climáticas globais, tem protagonismo inclusive nas cartas publicadas pela Presidência brasileira da COP30. Assim, o tema precisa ser tratado como prioridade estratégica, em equilíbrio com a mitigação, conforme previsto no Acordo de Paris. A ideia é fortalecer a resiliência de países e comunidades mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, garantindo que a adaptação receba a mesma atenção política e financeira que as ações de redução de emissões”, notou o autor do estudo, Alexandre Só de Castro.

Entre os principais pontos da agenda oficial estão a criação de mecanismos para melhorar a comunicação e o registro das ações de adaptação; o desenvolvimento de metodologias para avaliar necessidades e resultados; e o reconhecimento dos esforços dos países em desenvolvimento. Também estão em pauta a mobilização de apoio financeiro e tecnológico; a revisão da estrutura institucional ligada à adaptação; e o avanço no Objetivo Global de Adaptação, que busca definir metas e indicadores claros para medir o progresso. Outro foco importante é integrar as ações de adaptação às políticas de desenvolvimento sustentável, abrangendo áreas como agricultura, saúde, recursos hídricos e infraestrutura.

“As cartas da Presidência ainda reforçam dois pontos considerados essenciais: o aumento do financiamento climático voltado à adaptação, especialmente para países mais pobres e vulneráveis, e a garantia de um processo de negociação inclusivo. A proposta é envolver governos, sociedade civil, povos indígenas, comunidades tradicionais, setor privado e academia, para que as decisões sejam mais justas, transparentes e eficazes diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas”, enfatizou José Miguez, coautor da nota técnica.

Financiamento climático

O financiamento climático tem se tornado um dos pilares centrais nas discussões globais sobre mudanças climáticas, ao reunir recursos públicos e privados – nacionais e internacionais – voltados à redução das emissões e ao fortalecimento da resiliência de países vulneráveis. Apesar da ausência de uma definição universal, há consenso sobre sua importância para cumprir as metas do Acordo de Paris. Esses recursos financiam áreas como energia limpa, agricultura sustentável, infraestrutura resiliente e conservação ambiental, devendo estar alinhados às metas nacionais de clima e a uma transição justa e sustentável.

Com os fluxos financeiros globais ainda abaixo do necessário para limitar o aquecimento a 1,5 °C, o Novo Objetivo Coletivo Quantificado de Financiamento Climático (NCQG, na sigla em inglês) surge como uma resposta à insuficiência dos atuais mecanismos. Criado durante a COP26, o NCQG busca definir um novo valor-alvo e regras mais claras para o financiamento climático pós-2025. A proposta pretende superar a meta de US$ 100 bilhões anuais – nunca totalmente cumprida –, estabelecendo parâmetros mais ambiciosos, equilibrando recursos entre mitigação e adaptação e ampliando a transparência na gestão dos fundos climáticos.

Nesse debate, ganha destaque a Bridgetown Initiative. A proposta defende uma reformulação profunda do sistema financeiro internacional, com foco em facilitar o acesso de países em desenvolvimento a grandes volumes de recursos para enfrentar as crises climática e econômica. Embora ainda não institucionalizada, a iniciativa já influencia discussões na ONU, no G20 e em bancos multilaterais, ao propor soluções inovadoras para mobilizar trilhões de dólares e promover justiça climática – princípios que dialogam diretamente com os objetivos do NCQG.

A governança climática tem ganhado destaque nas discussões globais por articular políticas, instituições e mecanismos voltados ao enfrentamento das mudanças do clima. Ela é essencial para garantir que os compromissos do Acordo de Paris sejam colocados em prática, especialmente por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) e do Marco de Transparência Aprimorado, que obriga os países a reportar seus avanços de forma clara e verificável. Esse modelo busca fortalecer a cooperação entre governos, setor privado, sociedade civil e comunidades locais, promovendo uma governança mais inclusiva e com base na ciência, nos saberes tradicionais e na justiça climática.

Durante a COP29, em Baku, avanços importantes foram feitos para reforçar estruturas institucionais e ampliar a participação social nas ações de adaptação. Agora, o tema ocupa posição central na agenda, que prioriza o aprimoramento de mecanismos de monitoramento, relato e verificação, além de incentivar o engajamento de jovens, mulheres e povos indígenas nos processos decisórios. As cartas da Presidência da COP30 reforçaram a necessidade de uma governança transparente e participativa, capaz de garantir que as políticas climáticas reflitam as necessidades dos países mais vulneráveis e promovam ações eficazes de adaptação e mitigação.

Justiça climática

A justiça climática tornou-se um princípio essencial nas negociações internacionais sobre o clima, ao reconhecer que os impactos da crise climática não afetam todos da mesma forma. Populações vulneráveis enfrentam os maiores riscos, agravados pela falta de acesso a financiamento e pela desigualdade social.

No Brasil, o debate ganha força diante das desigualdades regionais e da vulnerabilidade de comunidades tradicionais, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) destaca a necessidade de políticas públicas voltadas à equidade e à participação social, enquanto decisões recentes das COPs reforçam o compromisso global com ações que respeitem os direitos humanos e priorizem o apoio a países e comunidades mais expostos aos impactos climáticos. Esses avanços incluem o fortalecimento do financiamento climático e o reconhecimento da justiça climática como elemento-chave da cooperação internacional.

Assim, a justiça climática se consolida como um eixo central das negociações, guiando o debate sobre equidade, solidariedade e responsabilidade compartilhada entre as nações. As cartas da Presidência da conferência reforçam que a transição climática precisa ser inclusiva, garantindo voz e proteção aos grupos mais vulneráveis. Esse compromisso sinaliza um passo decisivo para que o enfrentamento da crise climática global ocorra de forma mais justa, humana e sustentável.

  • Saiba mais sobre o tema fazendo o download da íntegra do estudo ‘Adaptação na agenda global: as negociaçÕes da UNFCCC na COP30' em português ou inglês